Resenha: Coração de Tinta - Cornelia Funke



  • Título: Coração de Tinta
  • Autor(a): Cornelia Funke
  • Editora: Cia. das Letras
  • Ano: 2006
  • Páginas: 456
Há muito tempo Mo decidiu nunca mais ler um livro em voz alta. Sua filha Meggie é uma devoradora de histórias, mas apesar da insistência não consegue fazer com que o pai leia para ela na cama. Meggie jamais entendeu o motivo dessa recusa, até que um excêntrico visitante noturno finalmente vem revelar o segredo que explica a proibição. É que Mo tem uma habilidade estranha e incontrolável: quando lê um texto em voz alta, as palavras tomam vida em sua boca, e coisas e seres da história surgem como que por mágica. Numa noite fatídica, quando Meggie ainda era um bebê, a língua encantada de Mo trouxe à vida alguns personagens de um livro chamado "Coração De Tinta". Um deles é Capricórnio, vilão cruel e sem misericórdia, que não fez questão de voltar para dentro da história de onde tinha vindo e preferiu instalar-se numa aldeia abandonada. Desse lugar funesto, comanda uma gangue de brutamontes que espalham o terror pela região, praticando roubos e assassinatos. Capricórnio quer usar os poderes de Mo para trazer de "Coração De Tinta" um ser ainda mais terrível e sanguinário que ele próprio. Quando seus capangas finalmente seqüestram Mo, Meggie terá de enfrentar essas criaturas bizarras e sofridas, vindas de um mundo completamente diferente do seu.

Há meses - talvez até anos - venho querendo ler Coração de Tinta. Toda essa atmosfera que a sinopse e a capa deixaram passar para mim só aumentaram essa vontade. Mas como o valor do livro que não é nada atraente, acabei empurrando com a barriga, e esperando por uma oferta que nunca veio. Felizmente, o livro me pagou os 40 reais gastos nele com uma história maravilhosa.

Cornelia Funke, autora da trilogia Mundo de Tinta, trouxe para o mundo contemporâneo criaturas que só vimos em livros clássicos de aventura, como, por exemplo, Peter Pan. O livro deixa passar um clima tão aventureiro que de início - já que a autora, por escolha, não esclarece em que ano exato se passa o enredo - achei que acontecia nos tempos antigos, quando não tínhamos luz elétrica e recorríamos à Internet quando precisamos saber de algo. Objetos como o celular colocaram meus pés no chão, mas não tiraram essa sensação incrível. Além do enredo em si, tive o prazer de conhecer personagens únicos e inesquecíveis, sobretudo seus vilões. Uma boa pedida para quem está cansado daqueles personagens que não provocam nenhum sentimento mais intenso do que um simples "irritar."

Ela começou a chorar tão alto que ela mesma se assustou e tapou a boca com a mão. Um galho se quebrou sob seus pés e, atrás de uma das janelas da aldeia de Capricórnio, a luz se apagou. Ela tinha razão. O mundo era terrível, cruel, impiedoso, negro como um sonho mau. Não havia um lugar para viver. Os livros eram o único lugar onde havia compaixão, consolo, alegria... e amor. Os livros amavam a todos que os abriam, ofereciam proteção e amizade, sem exigir nada em troca, e nunca iam embora, nunca, mesmo quando não eram bem tratados. Amor, verdade, beleza, sabedoria e consolo perante a morte. Quem dissera isso? Algum outro bibliomaníaco como ela, de cujo nome não conseguia se lembrar, só das palavras. As palavras são imortais... a não ser que venha alguém e ponha fogo nelas. E mesmo assim...
Pág. 368

Mortimer - ou simplesmente Mo, ou talvez até Língua Encantada, dependendo das circunstâncias em que você o conhecer -, tem um belo e raro poder de trazer à vida personagens de livro pelo simples ato de lê-los em voz alta. Infelizmente, quando descobriu que tinha esse dom, já era tarde demais. Enquanto lia para sua esposa e sua filha de três anos, Mo trouxe para o nosso mundo um dos vilões mais perversos que ele já conheceu. O Capricórnio de Coração de Tinta (Sim, Coração de Tinta também é o nome do livro que origina toda a história!), e, junto com ele, veio seu fiel escudeiro Basta, e o pobre e medroso Dedo Empoeirado!

Ao contrário do que possa parecer, Mo não é nossa protagonista, mas sim a sua filha, já com 12 anos, Meggie, que numa bela noite, enquanto está deitada na sua cama, prestes a começar a ler, olha pela janela e vê um homem parado na frente da sua casa, na chuva. Aquele é Dedo Empoeirado que voltou depois de nove anos para avisar para Mo que Capricórnio está vindo atrás dele. Meggie então e vê, de repente, dentro de uma realidade completamente alheia a que ela achava que vivia! Embarcando numa aventura junto ao seu pai, sua tia Elinor, Dedo Empoeirado e Farid, que foi tirado dentro do livro "As mil e uma noites".

Mais duas linhas, então virar a página. As palavras de Fenoglio esperavam ali. “Dê só uma olhada, Meggie!”, ele sussurrava ao lhe mostrar a folha. “Não sou um artista? Existe algo mais belo neste mundo do que as letras? Sinais mágicos, vozes dos mortos, peças de mundos maravilhosos, melhores do que este. Eles consolam e espantam a solidão. São guardiãs de segredos, arautos da verdade...”
Pág. 435

Uma das coisas que mais me encantaram no livro foi o amor que seus personagens principais tem pelos livros! Principalmente, Elinor. Eles demonstram uma paixão pelos livros (não só pela leitura, mas também pelos livros físicos!). O início dos capítulos, que é tem trechos de livros que tem algo a ver com a história, contém alguns trechos bem legais de livros que também compartilham essa paixão. Coração de Tinta fala um pouco, também, do pouco conhecimento que as pessoas têm dos livro. Como simplesmente deduzir que todos os autores estão mortos, por acharem que, hoje em dia, ninguém se dá ao trabalho de escrever um. Isso fez com que eu me identificasse bastante com o livro! Cornelia Funke inseriu trechos de Peter Pan, Senhor dos Anéis, As Crônicas de Nárnia e outras aventuras épicas!

Coração de Tinta é um ótimo livro se tratando de aventura, ele tem todos os elementos que são necessários, desde acampamentos, fuga pela floresta, cães farejadores, e vilões super temidos. A autora soube trabalhar bem em volta deles, sem deixar de lado uma pitada suave de magia, em contraponto com um pé na realidade. Tudo numa dose bem estruturada.

Ele ergueu o livro.
- Lerei para você. Como distração.
- Fala de esporte?
- Duelos. Lutas corpo a corpo. Tortura. Veneno. Amor verdadeiro. Ódio. Vingança. Gigantes. Caçadores. Pessoas más. Pessoas boas. Mulheres belíssimas. Serpentes. Aranhas. Dor. Morte. Homens corajosos. Covardes. Homens fortes como ursos. Perseguições. Fuga. Mentiras. Verdades. Paixões. Milagres.
- Soa bem – eu disse.
(William Goldman, A Princesa Noiva)
Pág. 124

A Editora Companhia das Letras fez um ótimo trabalho editoral com Coração de Tinta! O livro é ilustrado, mas não tanto que chega a atrapalhar a leitura. Ao final de cada capítulo, vemos a figura de algo ou alguém que foi importante nele, o que foi bem legal, pois não atrapalha a diagramação da página, prejudicando a dinâmica de leitura. Certamente, foi um livro que mereceu as cinco estrelas que recebeu de mim, ainda que esteja meio longe de entrar na minha listinha de livros preferidos, uma vez que achei o enredo um tanto extenso e muito detalhista, para o que deveria ser uma história infanto-juvenil. Além do excesso de violência, que veio um pouco pesada, se levar em consideração o público alvo. Se a situação fosse diferente, eu estaria preparada para toda a maldade que há dentro dele. Devo avisar-lhes, então, que o mau prevalece o bem na maior parte do livro.

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