Resenha: Precisamos Falar Sobre o Kevin - Lionel Shriver




  • Título: Precisamos Falar Sobre o Kevin
  • Autor(a): Lionel Shriver
  • Editora: Intrínseca
  • Ano: 2007
  • Páginas: 464
  • Cortesia da Editora Intrínseca
Para falar de Kevin Khatchadourian, 16 anos – o autor de uma chacina que liquidou sete colegas, uma professora e um servente no ginásio de um bom colégio dos subúrbios de Nova York –, Lionel Shriver não apresenta apenas mais uma história de crime, castigo e pesadelos americanos: arquiteta um romance epistolar em que Eva, a mãe do assassino, escreve cartas ao marido ausente. Nelas, ao procurar porquês, constrói uma reflexão sobre a maldade e discute um tabu: a ambivalência de certas mulheres diante da maternidade e sua influência e responsabilidade na criação de um pequeno monstro. Precisamos falar sobre o Kevin discute casamento e carreira; maternidade e família; sinceridade e alienação. Denuncia o que há de errado com culturas e sociedades contemporâneas que produzem assassinos mirins em série e pitboys. Um thriller psicanalítico no qual não se indaga quem matou, mas o que morreu. Enquanto tenta encontrar respostas para o tradicional “onde foi que eu errei?” a narradora desnuda, assombrada, uma outra interdição atávica: é possível odiarmos nossos filhos?

Precisamos Falar Sobre Kevin foi um livro que escolhi para fugir da minha zona de conforto. Quando cansei de infanto-juvenis ou chick-lits, pensei num enredo que seria interessante, completamente inusitado, ler sobre algo que eu não entendo, e que provavelmente nunca entenderei. Eu posso não ter mergulhado num mundo inteiramente novo de uma literatura fantástica, mas a sensação foi a mesma ao acompanhar a mente doentia de Kevin pondo suas maldades (ainda que fossem pequenas no começo) em ação, e os dramas de uma mãe fria e sem nenhum talento para a maternidade, mas que se esforçava, até que seu filho passou a demonstrar – apenas para ela – sua natureza horrenda.

Através de cartas, a atormentada Eva – personagem principal e mãe de Kevin – escreve para seu marido uma série de reflexões sobre seu passado, avaliando os acontecimentos desde o momento em que decidiu engravidar, aos trinta e sete anos, para tentar entender sua parcela de culpa no que aconteceu ao seu filho. Ou melhor, no que o que seu filho fez acontecer. Kevin Khatchadourian, aos dezesseis anos, foi autor de uma chacina que matou sete colegas em seu colégio, uma professora, e um servente que lá trabalhava. Com seu filho já preso, Eva passa a usar as cartas como modo de “seguir em frente,” tentando superar a culpa que sente, que nada é aliviada devido aos parentes das vítimas que a culparam por “seu péssimo trabalho como mãe,” e, sobretudo, para superar a solidão ao ser marginalizada por carregar um sobrenome que antes era só incomum, mas se tornou o símbolo do terror que os alunos de um colégio de ensino médio passaram.

“Nós estamos criando nosso filho para saber o que é certo e o que é errado. Talvez pareça injusto, mas a gente no fim tem que se perguntar sobre os pais.”

O título “Precisamos Falar Sobre o Kevin” trabalha com o texto como em nenhum outro livro. Eva escreve longas cartas para seu marido (cujo paradeiro, a princípio, não é revelado), refletindo sobre seu papel como mãe, esposa e acima de tudo, alguém que abriu mão de uma carreira maravilhosa, que muitos sonham, para que possa se dedicar a sua vida em família, mesmo que o tempo todo ela demonstre que de fato não nasceu para ser mãe. Descrevendo fragmentos do presente e do passado, a autora descreve de maneira lenta e detalhada os sentimentos que se encaixam perfeitamente em cada situação. Sua narrativa é nada menos que impecável, ainda que difícil de ser lida. Tirei algumas boas semanas para que eu finalizasse essa leitura com calma, absorvendo cada uma das cartas que Eva escrevia.

“Na verdade, agora que nos separamos, eu gostaria de ter superado a minha própria timidez e de ter-lhe dito mais vezes que me apaixonar por você foi a coisa mais espantosa que já me aconteceu na vida.”

Não é fácil falar das sensações de se ler um livro como este. A autora faz um belo estudo da mente humana e de suas limitações. Foi angustiante ler e sentir que tantas coisas poderiam ser feitas para evitar que o que acabou por acontecer, e Eva sabia disso! Ela passou a acreditar na teoria de que as pessoas já nascem com a índole ruim, e que seu filho era uma delas. Desde um bebê que chorava para provocar a mãe, até um adolescente com atitudes perturbadoras, mas parece que ela era a única que sabia disso, fazendo com que ela assumisse sua parcela de culpa na chacina que veio a acontecer.

“Ah, você sabia exatamente o que eu queria dizer. Não é que a felicidade fosse insípida. É que ela não dava uma boa narrativa. E uma das nossas melhores e maiores distrações, com a velhice, é recitar, não só para os outros, como também para nós mesmos, nossa própria história. Eu sou mestre nisso: fujo da minha história todo dia e ela me persegue como um vira-lata abandonado. Por isso mesmo, um aspecto meu que mudou da juventude para cá é que agora eu considero as pessoas com pouca ou nenhuma história para contar tremendamente afortunadas.”

O livro de Lionel Shriver é uma obra de arte. Deveria se tornar um clássico contemporâneo e, certamente, todas as pessoas deveriam ler. Nada é mais instigante que tentar imaginar o que se passa na mente de alguém não perverso.


Comentários via Facebook

 
Vector Credits